Nesta manhã Sr.F saiu de casa já atrasado para ir á escola, ficou até tarde fazendo um trabalho e acordar – ainda mais com o frio que fazia – foi um verdadeiro sacrilégio que lhe custou muitos minutos.
Estava chovendo torrencialmente, de pouco adiantava a proteção no guarda-chuva, o sobretudo de Sr.F logo encharcou. Trovões seguidos e relâmpagos assustavam a população impaciente. Sr.F teve muita dificuldade de atravessar a rua pois uma boca de lobo entupida provocou uma verdadeira enxurrada que começava na sarjeta e ia até o meio da rua, Sr.F teve que prolongar seu caminho por três quadras, dando uma longa volta para chega ao seu destino.
Chegando ao ponto seu ônibus logo chegou e,quando Sr.F se preparava para passar pela catraca, o ônibus deu uma freada ( nada de muito brusco, nem veloz estava o ônibus, foi apenas para parar no semáforo ) e uma mulher se desequilibrou. Era uma mulher negra, estatura mediana, cerca de 40 anos, com uma bolsa pequena em seu ombro esquerdo.
Lentamente ele foi caindo para traz e prontamente dois passageiros tentaram ajuda-la. Sem encostar no chão ou em qualquer lugar a mulher de repente estatelou seus olhos, como se uma adaga tivesse sido enfiada em suas costas atingindo o coração. Os dois passageiros então a soltaram assustados, a mulher já inconsciente caiu no chão frio do ônibus se contorcendo por inteira.
Seus músculos enrijeceram e seus braços e pernas ficaram duros, sua cabeça virou de lado. Com dificuldades para respirar tossia, gemia e babava os passageiros apavorados não sabiam o que fazer, o cobrador saiu de sua cabine para tentar ajudar.
Sr.F e outros passageiros tentavam procurar algo para fazer, foram muitas as sugestões, reclamações e exclamações:
Passageiros:
- “Pega a língua dela, não deixa enrolar”!
- “Coloca alguma coisa na boca dela, pega uma blusa!”
- “Abre a janela, dá espaço!”.
- “isso pega?”
- “Liga para o
- “Era só o que me faltava...”.
- “Corre pro hospital motorista”
- “Não, para o ônibus, ela pode bater a cabeça”.
- “Ergue as pernas dela”
- “Só protege a cabeça dela gente, pelaoamordedeus...”.
Não é colocado nada em sua boca, ninguém tenta pegar sua língua. Sua cabeça fica na lateral, deixando a baba escorrer, sem controle ela elimina urina, sem saber os passageiros agiram certo. Aos poucos a respiração vai ficando normal, suas pernas e seus braços relaxam, ela repousa. O ônibus está perto de um hospital e é para lá que o motorista vai levá-la. Ele ainda para em um ponto causando a revolta dos passageiros que o xingam mandando ele ir correndo para o hospital.
São poucos minutos, mas que parecem uma eternidade, os semáforos estão todos vermelhos, a chuva não cessa. A tempestade está tão forte que o motorista mal consegue ver o que está dez metros a sua frente, o vento é muito intenso e faz um barulho assustador. Com dificuldades, finalmente o ônibus chega perto do hospital e para, ao lado de um outro ponto. Dois passageiros correm para buscar ajuda. Um médico aparece mestiço, com traços orientais, mais novo do que a maioria dos passageiros ele atende a mulher, agacha e tenta conversar com ela que já está se recuperando ainda.
Médico - A senhora está bem?
Mulher - (com aparência tranqüila, falando manso) Sim, estou. Onde eu tô?
Médico - A senhora passou mal, a gente que ter que te examinar.
Mulher - Não moço, não precisa não, eu tô bem.
Médico - Quantos anos a senhora tem?
Mulher - Quatro. (se levanta com a ajuda do médico)
Médico - A senhora tem algum documento?
Mulher - Não, não tenho não senhor.
Passageiro – Ela não está bem, teve uma convulsão, um ataque, sei lá.
Médico - Vamos levar ela pro hospital
Nesse momento aparecem dois homens com capas de chuva entrando no
ônibus com uma maca.
Médico - A senhora tem alguma doença?
Mulher - Eu...eu não.
Médico - Bom senhora a gente vai ter que te examinar, por favor venha com a gente.
Mulher - Não moço, não precisa, eu não vou.
Sr.F - Senhora, eles só vão te examinar, a senhora pode ter tido um derrame, precisa
saber.
Médico - Vem senhora, a gente não vai te machucar.
Mulher - Não, vai motorista pode ir embora, eu tô bem...
E esta tentativa de convencer a mulher a ir para o hospital se segue até que o médico e o motorista entram no acordo que ele vai precisar levar o ônibus até a porta do pronto-socorro e sem passageiros talvez a mulher aceite que a examinem.
Os passageiros então saem do ônibus, alguns se abrigam no ponto final que estava próximo, lá algumas pessoas tem o descaramento de reclamar da mulher, achando que nada de sério havia acontecido naquele ônibus, como outros – alguns deles que estavam no ônibus – só conseguiam enxergar que aquele episódio estava atrasando-os.
Sr.F não se conformava com aquilo, seguiu com os outros passageiros, mesmo na tempestade, para o ponto onde passaria o ônibus que eles precisavam. Claro que comentavam sobre o acontecido, algumas pessoas realmente se importaram com a situação, outras estavam mais preocupadas com seu próprio mundo onde é desagradável um fato como aquele, provavelmente irão apagar da memória logo. Sr.F não.