sábado, 17 de maio de 2008

Sr. F e o suicida

(Ao som de Behind Blue Eyes - The Who ou Nardis - Chet Baker ou ainda Nom, je ne regrette rien -de Edith Piaf.


01h36min da manhã, Sr.F está caminhando. Não tem pressa. A rua está tão

vazia que é possível ouvir os passos de F.; sapatos italianos pretos, bem

engraxados por ele mesmo dão o tom. Com as mãos no bolso e cantarolando

uma música de Edith Piaf Sr.F. se depara com um homem que está se

caminhando para a ponte que se aproxima.

Sr.F - Boa Noite

- Só se for para você, para mim é a última.

Sr. F (surpreso) – Caminhas para ponte porque queres tirar a própria vida ?

- Sim.

Sr.F – E por qual motivo queres fazer isso ?

Suicida – Preciso de um motivo?

Sr.F – Se precisas de um motivo para viver, precisas de um para querer o

suicídio.

Suicida (andando um pouco mais devagar) Não tenho ninguém que me prenda

aqui. Não tenho gosto pelos estudos e odeio minha profissão.

Sr.F – E a vida se resume a isso agora ?

Suicida – Acho que nunca terei mais do que tenho hoje.

Sr.F – Se prezas tanto tais coisas, acreditando que nunca poderá modificá-

las,só contribuirá para que isto se torne fato concreto.

Suicida – Já me iludi por muito tempo, não agüento mais sofrer.

Sr. F – Olha para sua vida mirando na de outros. E não poucas vezes se

enxerga como um derrotado. Mas afinal quem é o vitorioso? Quem fez

este modelo-pronto da vida perfeita será que verdadeiramente era feliz ?

Vou além... O que é ser feliz?

Suicida – Vou interpretar esta pergunta como uma retórica e vou abrir mão de

respondê-la...Eu só queria ter uma vida normal, ter uma

companheira, um filho, um cachorro fiel e um emprego que

preservasse minha dignidade.

Sr.F – Viu só...Talvez sofra porque este não seja seu desejo, é o desejo que

outras pessoas querem que você possua, se torna, assim, um desejo

artificial.

Suicida – O que diz faz sentido. Mas estou convencido que não pertenço a

este mundo, entretanto sou tão patético que nem tenho coragem de

cometer o suicídio.

Sr.F – Sabe que sinto dois sentimentos distintos nessa hora sobre você: pena

e admiração mas não consigo definir se você estas prestes a cometer

um ato de coragem ou de covardia, talvez seja um mistura dos dois.

Suicida – As pessoas geralmente consideram um ato de covardia e egoísmo,

talvez seja mesmo, mas, não me importo mais com o que as pessoas

dizem.

Sr.F – Se não se importasse, não estaria aqui a um passo de colocar ponto final

em sua vida, porque se sente um excluído na sociedade.

Suicida – (Ameaça dizer algo mas logo põe a cabeça para baixo e aperta mais

forte a pedra que carrega.)

Sr.F – (percebendo o gesto do suicida interpela-o) – Porque segura esta pedra ?

Não seria mais cômodo pegar uma quando chegasse mais perto da ponte?

Suicida – Sim, perto daqui não moro, aliás, quase nunca por aqui passo, mas

carregá-la me dá tempo para reavaliar minha idéia.

Sr.F – Vejo que ainda tem duvida sobre o que irá fazer. E carrega esta pedra

como se fosse um pagamento de seus pecados, mas esta prestes a

cometer um ato que é considerável abominável pela religião que você

provavelmente pertence.

Suicida – Deixei de praticar minha fé há tempos. Os sacerdotes dela sim,

abominam esse ato e condenam os que fazem ao pior lugar possível

que se pode ir após a morte. Mas também, dizem que Deus perdoa a

todos. Creio que este meu ato seja muito mais passível de perdão do

que muitos cometidos por estas pessoas que pregam tão falsa

moralidade.

Sr.F – Não tenho dúvidas sobre isso.

Eu o deixarei em paz agora.

Suicida – Não o preocupa o fato de que posso me matar, quando virar as

costas ?

Afinal, porque se preocupou comigo este tempo todo?

Sr.F – (sorrindo levemente) – Não vim aqui para demovê-lo de sua idéia.

Tentei entendê-lo, porque todo este tempo fiquei pensando como

seria se eu o tivesse conhecido antes, se fosse próximo a você como

receberia a noticia. Com surpresa? Com Naturalidade? Choraria?

Sequer me lembraria de você ? Iria ao seu enterro? E se fosse eu que

estivesse em sua posição, faria o mesmo ? ...

Não quero julga-lo e não vou falar que há pessoas em situação

piores que a sua mas que nem pensam no suicídio, porque considero

imensuráveis e intransferíveis as vontades, desejos, necessidades,

ambições e, principalmente, a relevância a cada fato da vida que

cada pessoa tem. Posso contestar, mas não posso dizer que seu

motivo para realizar o suicídio seja fútil, cabe a você este

julgamento.

O que posso dizer é que nenhuma pátria, nenhum ideal, nenhum

amor, nenhuma fortuna deveria valer mais do que a vida, da qual não

sabemos o que a sucede.

Sr.F recoloca as mão no bolso, ajeita seu chapéu e se põe ao seu caminho,

aquele estranho diz um humilde “obrigado”, que pela voz parece vir direto

do pulmão.

Sr.F nunca mais tornou a vê-lo.

Nenhum comentário: