01h36min da manhã, Sr.F está caminhando. Não tem pressa. A rua está tão
vazia que é possível ouvir os passos de F.; sapatos italianos pretos, bem
engraxados por ele mesmo dão o tom. Com as mãos no bolso e cantarolando
uma música de Edith Piaf Sr.F. se depara com um homem que está se
caminhando para a ponte que se aproxima.
Sr.F - Boa Noite
- Só se for para você, para mim é a última.
Sr. F (surpreso) – Caminhas para ponte porque queres tirar a própria vida ?
- Sim.
Sr.F – E por qual motivo queres fazer isso ?
Suicida – Preciso de um motivo?
Sr.F – Se precisas de um motivo para viver, precisas de um para querer o
suicídio.
Suicida (andando um pouco mais devagar) Não tenho ninguém que me prenda
aqui. Não tenho gosto pelos estudos e odeio minha profissão.
Sr.F – E a vida se resume a isso agora ?
Suicida – Acho que nunca terei mais do que tenho hoje.
Sr.F – Se prezas tanto tais coisas, acreditando que nunca poderá modificá-
las,só contribuirá para que isto se torne fato concreto.
Suicida – Já me iludi por muito tempo, não agüento mais sofrer.
Sr. F – Olha para sua vida mirando na de outros. E não poucas vezes se
enxerga como um derrotado. Mas afinal quem é o vitorioso? Quem fez
este modelo-pronto da vida perfeita será que verdadeiramente era feliz ?
Vou além... O que é ser feliz?
Suicida – Vou interpretar esta pergunta como uma retórica e vou abrir mão de
respondê-la...Eu só queria ter uma vida normal, ter uma
companheira, um filho, um cachorro fiel e um emprego que
preservasse minha dignidade.
Sr.F – Viu só...Talvez sofra porque este não seja seu desejo, é o desejo que
outras pessoas querem que você possua, se torna, assim, um desejo
artificial.
Suicida – O que diz faz sentido. Mas estou convencido que não pertenço a
este mundo, entretanto sou tão patético que nem tenho coragem de
cometer o suicídio.
Sr.F – Sabe que sinto dois sentimentos distintos nessa hora sobre você: pena
e admiração mas não consigo definir se você estas prestes a cometer
um ato de coragem ou de covardia, talvez seja um mistura dos dois.
Suicida – As pessoas geralmente consideram um ato de covardia e egoísmo,
talvez seja mesmo, mas, não me importo mais com o que as pessoas
dizem.
Sr.F – Se não se importasse, não estaria aqui a um passo de colocar ponto final
em sua vida, porque se sente um excluído na sociedade.
Suicida – (Ameaça dizer algo mas logo põe a cabeça para baixo e aperta mais
forte a pedra que carrega.)
Sr.F – (percebendo o gesto do suicida interpela-o) – Porque segura esta pedra ?
Não seria mais cômodo pegar uma quando chegasse mais perto da ponte?
Suicida – Sim, perto daqui não moro, aliás, quase nunca por aqui passo, mas
carregá-la me dá tempo para reavaliar minha idéia.
Sr.F – Vejo que ainda tem duvida sobre o que irá fazer. E carrega esta pedra
como se fosse um pagamento de seus pecados, mas esta prestes a
cometer um ato que é considerável abominável pela religião que você
provavelmente pertence.
Suicida – Deixei de praticar minha fé há tempos. Os sacerdotes dela sim,
abominam esse ato e condenam os que fazem ao pior lugar possível
que se pode ir após a morte. Mas também, dizem que Deus perdoa a
todos. Creio que este meu ato seja muito mais passível de perdão do
que muitos cometidos por estas pessoas que pregam tão falsa
moralidade.
Sr.F – Não tenho dúvidas sobre isso.
Eu o deixarei em paz agora.
Suicida – Não o preocupa o fato de que posso me matar, quando virar as
costas ?
Afinal, porque se preocupou comigo este tempo todo?
Sr.F – (sorrindo levemente) – Não vim aqui para demovê-lo de sua idéia.
Tentei entendê-lo, porque todo este tempo fiquei pensando como
seria se eu o tivesse conhecido antes, se fosse próximo a você como
receberia a noticia. Com surpresa? Com Naturalidade? Choraria?
Sequer me lembraria de você ? Iria ao seu enterro? E se fosse eu que
estivesse em sua posição, faria o mesmo ? ...
Não quero julga-lo e não vou falar que há pessoas em situação
piores que a sua mas que nem pensam no suicídio, porque considero
imensuráveis e intransferíveis as vontades, desejos, necessidades,
ambições e, principalmente, a relevância a cada fato da vida que
cada pessoa tem. Posso contestar, mas não posso dizer que seu
motivo para realizar o suicídio seja fútil, cabe a você este
julgamento.
O que posso dizer é que nenhuma pátria, nenhum ideal, nenhum
amor, nenhuma fortuna deveria valer mais do que a vida, da qual não
sabemos o que a sucede.
Sr.F recoloca as mão no bolso, ajeita seu chapéu e se põe ao seu caminho,
aquele estranho diz um humilde “obrigado”, que pela voz parece vir direto
do pulmão.
Sr.F nunca mais tornou a vê-lo.
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